O palhaço naturista
O espetáculo vai começar…
Dispam-se senhoras e senhores.
Um ajudante de palco vira-se para o palhaço e diz: “Cuidado com as brincadeiras porque temos pessoas novas na plateia”.
No picadeiro da vida abstrata, abrem-se as cortinas, apresentam-se os palhaços e demais atores para uma plateia desatenta e voltada para os seus próprios desatinos.
Vejo-me literalmente nu como palhaço naturista, de corpo protegido e de alma limpa. O palhaço é o único que não pode fraquejar. Jamais. Morre um parente e ele tem que fazer rir os outros, entre um soluço e outro e lágrimas engolidas.
Há quem prefira rir do choro do palhaço, da sua dor, a dar gargalhadas com as suas inocentes brincadeiras. Pessoas que se nutrem do infortúnio alheio, só assim se mantêm vivas para renovarem seus comportamentos agressivos. Gratuitamente, impondo vontades e hierarquia.
É fácil apontar alguém para assumir o papel de “Cristo da vez”, sem oferecer a cruz de madeira e os cravos enferrujados.
Rir e chorar, duas ações que se alternam segundo sentimentos extemporâneos – o tempo da manifestação sentimental é o que menos importa. Choramos de tanto rir, mas não precisamos de risos para chorar. Ninguém melhor do que o palhaço naturista para saber disso. Na plateia o palhaço sabe identificar risos sinceros, e dentro dele, na sua alma, o choro honesto.
O palhaço é o mais digno dos atores, não foge aos preceitos éticos da sua profissão, age com seriedade no picadeiro, é consciencioso. O palhaço é capaz de murmurar “filho da puta” quando alguém tenta desonrá-lo, ao mesmo tempo em que ouve a voz do coração dizendo: “Eu te amo meu amigo e te quero bem!”. É comum indivíduos que se julgam normais sorrirem falsamente e pronunciarem entre os dentes “Eu te odeio e quero a tua desgraça!” quando se acham contestados ou se encontram sem saída.
A vida é um teatro onde cada um interpreta o seu papel – independente do número de atos que a peça possa ter. Enquanto palhaço eu pinto a cara para mostrar verdadeiramente quem sou, revelar a minha identidade. Pessoas há que colocam máscaras para despistar os fantasmas que as rondam, mas, na verdade, são essas mesmas pessoas que assombram quem está por perto.
“Favor levar os elefantes e os cães amestrados, e traga para o picadeiro os lobos, as raposas e os abutres para nova apresentação, porque parte do público está pedindo” – solicitou o palhaço ao seu ajudante de palco. Enquanto isso, na plateia, poucos recalcados e outros críticos, frustrados e outros malogrados, neuróticos e outros nevróticos aplaudem a entrada dos bichos. Aqui, sim, temos que ter “cuidado com as brincadeiras”, conforme pediu aquele ajudante de palco numa hora totalmente infeliz.
O palhaço murmura: “Quem somos? Cópias mal elaboradas? Meros estereótipos? Produtos acabados da insensatez e da intolerância?”. Agora na sua imensa dor o palhaço tenta levar alegria a todos, diante da selvageria que se avizinha. A representação do absurdo é fruto do mando, que determina a prática continuada – o que eu faço só a mim interessa. À luz do dia cães de guarda montam fila, na calada da noite dormem. Encaremos essas cenas como insólitas. Simples assim.
Bate tremenda melancolia no palhaço quando se aproxima o final do espetáculo. “Senhoras e senhores, o espetáculo terminou, coloquem as suas roupas e voltem para a sociedade donde vieram e assistam aos tradicionais Shows de horrores no circo dos vestidos”. As cortinas se fecham, as luzes se apagam.
No camarim, curtindo a solidão do momento, limpando a tinta do rosto, o palhaço chora!
Augusto Avlis
Discussão
Nenhum comentário ainda.